sexta-feira, 9 de março de 2018

Casa desastrada.

Era uma casa muito engraçada, tinha teto, tinha tudo, não faltava nada.

Viviam ali uma família de três, além claro dos animais agregados, e eram felizes assim mesmo, em número ímpar.
Ela dona DA casa e dona DE casa, vivia de um lado pro outro tentando lembrar do que ainda havia pra fazer.
-Cuidado de casa parece que nunca tem fim.
- Cuida dela e esquece de mim
- Cuidado pra não escorregar no sabão
- Cuidado, não pisa descalço no chão
- Tem caco de vidro que achei do copo que caiu semana passada
-Tem barata e aranha, tem cama desarrumada
- Tem bagunça na sala e felicidade sem fim.



Ah casa desastrada.
Minha casa de amor assim.

Simplicidade.

Na onda da mudança, mudança mesmo, de vida, de casa, de cidade ela engole o choro
ela anda pela casa agora vazia e relembra do que deixou passar
ela anda pelo quarto da filha que poderia ter deixado as paredes serem rabiscadas
ela anda em seu quarto e lembra do armário sem portas que nunca foi um problema

Ela anda pelo quintal todo branco em azulejos e se questiona porque não deixou um jardim
Ela anda pela varanda da frente e sente falta da grama cheia de cumpim

Ela olha a bouganville na calçada da frente, que ela cuidou desde pequenina e vê a cor mais bonita da vida.

Ela se vira e olha sua casa, sua primeira casa, se despede com amor  e lágrimas.


Mais uma fase passada, mais um momento para lembrar que foi meu.




E ela fecha as malas e entra no avião, dá tchau pra casa, dá tchau pro mar.

Muda de ideia logo!

Ela escrevia sem parar naquele caderno velho, era sua alma vomitada, tudo que ela temia dizer em voz alta se encontravam em palavras rebuscadas e cheias de cores mas sua alma era cinza.
Ela era um ser estranho, coisas que ela dizia não fazia sentindo pra ninguém, ela deixava rolar em vez de planejar, ela deixava ao acaso o caos se tornar mansidão mas ela viu algo diferente naquele mês, algo que fez ela questionar sua vida.

-Gosta de preto ein?
- Reflete minha falta de exatidão, falta a definição disso também.- Ela sorriu pela primeira vez sem entender como isso vinha tão fácil quando ele estava perto.
- Gostaria de te ver sem isso daí, desnuda de suas atitudes que colocam tantos pontos de interrogação pra mim. - Ele apontou pro coração dela.
- Você acha que tem poder de me separar do que é intrínseco em mim? Estou costurada ao meu gosto e nada pode me fazer mudar. Nem minha própria vontade. 
- Você não acredita que posso tentar mais? Até mais que você?- O sorriso começou a brotar nele, era algo que ele vinha fazendo com mais frequência do que de costume.
- Nossa, sua fé é grande então. Se ela mover montanhas assim, pode tentar me mover também- Ela riu e isso era música doce.
Ele olhou aqueles lábios pálidos se moverem rindo e pararem se fechando, amolecendo em um estado natural. As mudanças dela ainda eram um mistério para ele, mas tudo que ele via era atraente. Tudo que ela fazia era intrigante e ele queria experimentar tudo, cada pedaço da alma dela.
- Não preciso de mover montanhas, meu desejo é válido quando eu só quero experimentar você, assim mesmo, sem mudar nada. Quero te juntar a mim, talvez ainda falte alguns pedaços nossos mas dá pra tentar mesmo assim, um brinquedo quebrado ainda da pra brincar se você parar pra pensar. As vezes as pilhas faltam mas ainda da pra empurrar.
As palavras que ele dizia tão poeticamente não eram suficientes pra ela. Ela nunca quis isso, ela queria realidade viva, queria carne e sangue. Queria alma assim, no verdadeiro formato sem partes escondidas ou silenciadas verdades. Queria sentir que podia ser ela mesma o tempo todo sem preocupações bobas que as pessoas teimam em levar  na vida.
-Você não pode tentar me validar, você não vai tocar minha alma ou a mim assim. Sou quebrada e gosto disso, me faz lembrar que erro e que nunca preciso ser perfeita em nada porque nasci imperfeita. Não se incomode com minha bagagem, com as coisas que eu levo comigo, meu peso eu não divido cabe apenas a mim e mais ninguém.
-Suas palavras são duras mas teu sorriso amolece a mim, eu vejo seus olhos brilharem quando falo em juntar nosso coração e você teima em ser só você, teima em levar a vida assim nessa estrada reta solitária. Não erga esses muros contra mim, eu não quero quebra-los, deixa eu te ajudar porque eu preciso de ajuda também.

Chuva por dentro.

A chuva.


Ela vem de jeito manso, avisando a todos que uma hora ela vai cair
ela chega enfim, e chora na terra, chora muito mais do que todo mundo espera.
e então ela é culpada. Apontam o dedo e dizem "perdi meu carro por sua causa"
"perdi minha casa".
E ela vai embora, deixa a gente com os estragos. Deixa a gente pra recolher os cacos.

Mas somos seres indecisos , reclamantes de alma. 
Quando ela some, por meses a gente grita pra ela voltar, pede desculpas, pede perdão, grita pra ela passar de novo.

E tudo se repete.
Um ciclo de reclamações e amores.


é igual aqui dentro de mim.